Não se
enganem. Eu não trocaria essa vida por nada... Quase nada. Mas isso não faz
dela mais fácil.
Quando
os anciões primeiro me fizeram um chama branca, nada me fizera mais feliz do
que passar o resto da eternidade ajudando os outros a achar o bom caminho. Não
existe nada mais gratificante que ver tudo indo bem à vida de seu protegido. É
realmente ótimo, e junto com as experiências de suas vidas passadas, ajuda-los
em seus problemas não é difícil... Exceto quando eles começam a resistir.
Normalmente
os Chamas Brancas atuam indiretamente, guiando por sinais e ajudando no fundo
de tela, como um contrarregras. Mas de tempos em tempos aparecem aqueles casos
mais difíceis, como bruxas recém-descobertas. Elas parecem um chamariz para
encrencas, fazendo algo que poderia ser facilmente resolvido em um turbilhão de
problemas. Na maioria das vezes a culpa não é delas, seus novos poderes atraem demônios
como luz para moscas. Eles as veem como o alvo fácil que são, e partem para
cima antes que elas se apeguem à magia. É ai que eu entro em cena.
Priya,
Alyssa e Damyen não foram meus primeiros casos, apesar de serem os mais difíceis.
Minha primeira protegida bruxa foi uma garota gótica da Escócia, de pais
desatentos que se via dando vida para os bichos de pelúcia que tinha. Poder de
animação. Não é o melhor para uma viajante de primeira viagem, mas ela fez bem.
Entrei em sua vida como um dos alunos que ela tutelava na escola e dali em
diante eu pude mexer uns pauzinhos para ela entender e aceitar melhor essa
parte de si. Sally nunca descobriu de mim como seu Chama Branca, e hoje luta
com demônios com facilidade, seu movimento preferido sendo uma armadilha para o
cemitério, onde ela podia animar um exercito de esqueletos a seu favor.
Foram
uns dois anos até os anciões me darem outro protegido bruxo. Desta vez seu
poder era mais desafortunado: Hipersensor. É terrível para o bruxo quando seu
primeiro poder é passivo, porque a luta não é aprender a usa-lo, é aprender a
desativa-lo. Hipersensor é quando o bruxo tem os cinco sentidos sensoriais
ampliados. Gustav começou com o paladar, não conseguindo comer direito por tudo
estar tão exageradamente temperado, e evoluiu pata tato, olfato, visão até o
ultimo, com a audição. Ele teve sorte na ordem de seu desenvolvimento, e eu
pude me manter escondido até o penúltimo, quando ele descobriu não sentir o
cheiro de "mortal" em mim. Essa descoberta até facilitou para nós
dois, pois quando veio a audição, ele quase ficou louco.
Ainda
tive outros casos mágicos, esses acrescentados aos casos comuns de futuros
chamas brancas. Eu tive de aprender a administrar melhor meu tempo. Chamas
brancas não dormem especificamente, mas nós repomos nossa energia ao passar no
plano de cima, com os anciões.
Os
anciões... Eles são um grupo de poderosos Chamas Brancas, que coordenam e
ordenam os outros chamas brancas em seus protegidos. Basicamente, eles são os
chefes dos Chamas Brancas, e por causa do tempo que utilizam para deixar tudo
em ordem, eles deixam de ter protegidos, ficando lá em cima o tempo todo. São
eles que regem os poderes dos Chamas Brancas, e se algo acontecer com um deles,
afeta os outros anciões e a todos os chamas brancas do mundo.
Mas
voltando aos protegidos. À medida que iam crescendo, eles iam precisando menos
de mim, e eu fui recebendo outros protegidos. O primeiro grupo de bruxos que
recebi de uma só vez foram os três: Priya, Alyssa e Damyen.
Damyen
foi o segundo meio-demônio que tenho como protegido. Diferente do primeiro, que
acabou em maus lençóis, Damyen era estranhamente manso para um descendente das
trevas. Acho que ser criado por um padre realmente faz milagres. Educado,
silencioso e muito quieto, demorou um pouco para descobrir o que o fazia agir.
Um caso grave de abstinência paterna quando tratando do sangue. Converso sobre
isso com Leo até hoje, medindo como será que ele irá reagir quando descobrir
quem é seu progenitor. No momento estamos quase certo que ele largaria tudo
para saber mais sobre o pai, e tememos que se descoberto essa fraqueza, ele
vire alvo fácil.
Dos
três, Alyssa foi a mais fácil de desvendar. Síndrome materna na cara. Garota
independente que apesar de não querer nada dos outros, é sempre preciso ter alguém
olhando por seus ombros para que ela não caia nos precipícios da vida. Vi logo
de cara que daria trabalho, e quando tive de busca-la desmaiada em um ônibus,
sabia que tinha acertado em cheio.
Priya...
Ah... Doce e maravilhosa Priya. Essa garota fazia até a osso-duro da Alyssa
amolecer. Então que chances tinha eu contra seu charme?
Em
nenhuma de minhas vidas encontrei alguém tão preocupada com o bem-estar e
conforto dos outros. Ela foi a carta surpresa deste grupo, pois eu nada sei da
Índia, seu estilo ou cultura. O pouco que sei sobre ela foi o que o chama
branca dela, lá na Índia, contou-me de passagem, e mesmo isso foi muito pouco.
Juro,
pelas minhas asas, que tentei resistir e manter as coisas leves. Mas a cada
olhar, a cada frase e momento, eu me via cada vez mais apaixonado.
Quando
finalmente expus meus sentimentos, a felicidade não tinha limites. Nunca
poderia agradecer mais ao Leo por quebrar as regras e fazer os anciões mudarem
as normas. A felicidade, porém, foi limitada pelo tempo. O jantar com os tios
de Priya deixou claro que eu não tinha lugar em sua vida pessoal. Nem mesmo uma
fresta.
Mas eu
não sou perfeito... Eu sou egoísta, e mesquinho, e não queria deixar de ter
pelo menos a chance de estar próxima dela, mesmo que seja por pouco tempo. E ia
tirar o máximo dele.
Após o
primeiro encontro, eu estava literalmente nas nuvens, pois os anciões me
chamaram em uma reunião. Tal evento é muito raro. Só os mais experientes dos
Chamas Brancas são chamados para reuniões, ao menos que sejam emergenciais. Na
reunião, estava o antigo Chama Branca de Priya. Ele de algum modo sabia do
relacionamento e queria o seu fim, explicando que os pais de Priya já estavam
com um marido praticamente certo para quando ela voltasse. Ele era perfeito, da
mesma casta e cultura, bondoso e de oficio estável. Tudo que uma moça indiana
poderia pedir em um casamento.
O chama
branca sabia como Priya era, e previa como ela ficaria quando tivesse de voltar
para casa e seguir com o casamento.
-- Esse
seu relacionamento com ela só causará mais sofrimento para ela.
Ouch...
Essas palavras perfuraram mais fundo que uma flecha de anjo negro jamais
poderia ir. Eu sabia que não iria durar, mas não pensei no estado que Priya
ficaria quando tal dia chegasse... Eu sou mesmo egoísta, e mesquinho... E agora
eu tenho de arranjar um jeito de terminar com a melhor coisa que aconteceu
comigo desde que virei um chama branca...